IA, Taylor Swift e Psicanálise: um punhado de buzzwords?
A bad sign is all good.
Taylor Swift
Outro dia, escutei duas moças que passavam por mim conversando. Uma delas estava indignada: “Mas o ChatGPT tinha falado!”. Foi um desses diálogos do qual escutamos apenas um fragmento, suficiente para nos fazer inventar uma história inteira.
Claro, as personagens importam. Eram jovens e bonitas a ponto de se vestirem displicentemente (mas com cálculo). Diria que eram fãs de Taylor Swift — não de Billie Eilish ou de Luísa Sonza, isso é certo. Falo de afinidades e identidades; padrões que podemos pontuar a partir de uma recorrência cultural, do Instagram às — que sobreviveram — revistas de moda. Apathy is hot.
Não seria diferente se fossem dois rapazes da mesma idade — ou mais velhos (homens têm demorado mais para crescer). Poderíamos inferir algo a partir dos padrões que adotam como ancoragem de suas identidades: do corte de cabelo ao solado do tênis — ou daquele sapato híbrido, bastardo, cujo uso horrorizaria, com razão, as duas jovens swifties.
Voltando à indignação da moça, a quem chamaremos de Betty: — “Mas o ChatGPT tinha falado!”. Na ficção que criamos a partir desse fragmento, trata-se da atualização de um velho problema. Betty estava brava porque a máquina prometeu algo que a realidade não entregou. Confiou no padrão oferecido pelo cálculo e decepcionou-se. O que ela esperava encontrar ali — o mapa astral do crush que a IA gerou encarnado no pretendente — é a versão digital daquilo que Aristóteles chamava de automaton: o acaso que acontece por si mesmo, a repetição cega das causas naturais, previsíveis, passíveis de serem conhecidas, medidas e controladas. A lógica do onde tem fumaça, tem fogo.
O psicanalista Jorge Forbes tem nos alertado para essa armadilha contemporânea. A Inteligência Artificial opera como fizemos para identificar essas duas fãs: por reconhecimento estatístico de padrões, probabilidades. A máquina gera textos, imagens, vídeos, buscando o "bom acabamento", a otimização, o fechamento de sentido, mesmo ao preço de erros estúpidos. Ela combina para tentar dizer algo de novo; fala a mesma coisa para manter a homeostase do sistema. Quando Betty reclama que a IA "tinha falado, mas não acertou", ela está, no fundo, reclamando que a realidade ousou sair do script.
É aqui que a coisa fica interessante para a clínica psicanalítica. Antigamente, como nos diz Forbes, o sujeito usava o inconsciente como desculpa: "Não fui eu, foi o meu inconsciente". Sempre tinha uma razão oculta. O famoso "Freud explica". Hoje, a desculpa foi terceirizada para a GPU: "Foi o algoritmo que alucinou", "Foi o Waze que me mandou para o mau caminho", "Foi o Chat que disse que estava escrito nas estrelas". Estamos diante de uma formidável máquina de desresponsabilização. A IA pode oferecer o conforto de um sentido pronto, na tentativa de tapar aquele buraco vital que nos angustia e nos põe a escolher: inventar as nossas respostas para a vida, nela inclusa como vivemos o amor.
Mas a vida — e o amor — é feita a partir daquilo que escapa ao padrão. Há surpresas. Aristóteles tinha também um nome para esse tipo de repetição: tiquê. A tiquê não é a repetição algorítmica, previsível, da playlist no Spotify; a tiquê é a insistência com o encontro faltoso, com o tropeço, com a quebra. O Real que rasga a fantasia. Uma música que nos toca desde um vilarejo de um país distante. Uma quarta-feira de cinzas fora de época. Um carnaval em fevereiro. Um vírus. Uma pandemia. Uma guerra. Uma paixão. O surgimento de uma nova tecnologia. É quando o sujeito planeja tudo com o ChatGPT da sua neurose, mas na hora H, o outro e o mundo reagem de um jeito que não estava calculado. Nesse momento de susto, a rede de significantes, a lógica, falha e busca os velhos padrões. Mas é também quando o novo pode surgir. Taylor transforma uma conversa de podcast num convite para um date, que acaba em casamento e num novo álbum.
É a saída da repetição do mesmo pela poesia. Curiosamente, isso vale também para a IA. Pesquisadores da Universidade de Roma descobriram recentemente que a maneira mais eficaz para quebrar as travas de segurança de uma IA é pela via poética, a chamada "Adversarial Poetry". Eles inseriram versos, rimas quebradas e construções oníricas no prompt, e descobriram que a máquina, confusa com aquela linguagem que fugia à lógica linear da otimização, acabou liberando o que estava proibido. A poesia funcionou como um poderoso jailbreak. Não apenas para burlar sistemas, mas para criar fora da censura do padrão, da norma.
Precisamos operar esse mesmo jailbreak nas nossas vidas. A psicanálise propõe que saiamos da posição de consumidores de respostas prontas (automaton) para a de poetas da própria existência frente à tiquê, ao acaso, ao inesperado da vida. Poeta-a-ser, no ressoar de Jacques Lacan, como lembra Jorge Forbes. Potasser. A psicanálise do século XXI, de TerraDois, não serve para consertar o sujeito para que ele funcione de acordo com um ideal. Ela está a serviço do entusiasmo. O entusiasmo de um concerto, de uma tour pelo mundo para reconquistar direitos autorais que foram roubados, por exemplo. Não a alegria tola dos satisfeitos, mas o entusiasmo de quem inventa uma saída singular a partir do erro, do trauma, do acaso. Ou seja, o entusiasmo de quem faz do encontro com o Real uma possibilidade de invenção. Blank Space.
Aquelas duas moças, Betty e Augustine, com suas belezas calculadas, talvez estejam à beira de descobrir que a decepção com o ChatGPT foi a melhor coisa que lhes aconteceu naquela tarde. Quiçá foi o momento em que a vida furou o padrão. Aquele cara que o Chat disse ser um match astrológico perfeito, na verdade, era só mais um Jake. O príncipe virou um chato, de novo. Resta saber se elas vão cozinhar esse sapo para inventar um novo amor ou se vão apenas rodar o mesmo prompt mais uma vez, esperando que, na próxima, o automaton acerte, e os astros as livrem dos canalhas.
Fica, então, a dúvida: nossas amigas inventarão a própria história, como faz Taylor Swift na sua vida e obra autoficcionais, ou sofrerão da eterna decepção irresponsável, culpando para sempre Jakes, Joes e Josés pelos seus infortúnios amorosos?
Talvez nada disso importe, e Betty e Augustine fiquem juntas no final. Talvez esse amor não dure para sempre. Quem poderá dizer?
A bad sign is all good.